31 de dez. de 2014

Hoje a festa é nossa!

Caro Amigo...

Esta é a última vez em 2014 que lhe escrevo. Também é a última vez que escrevo "2014", última vez que sento nesta escrivaninha e acabei de fazer cocô pela última vez.
Estou vestindo uma camiseta listrada com várias cores. Posso estar ridículo e parecendo um catálogo de esmaltes, mas pelo menos estou me precavendo. Da última vez usei vermelho e deu certo, porque nesse ano beijei a Lúcia pela primeira vez. Beijei pela primeira vez na minha vida, inclusive.
Além da camiseta, minha mãe também me deu 10 pila pra deixar no bolso.
- Passar a virada com dinheiro atrai dinheiro! - ela disse, animada.
10 reais? 10 reais não atrai nem um rodízio de pizza, cara. Mas eu aceitei, porque sabe como é, vai que atrai mesmo.
Já meu pai é do tipo que diz não se importar com ano novo. "Não significa nada, é só mais um ano". "Minha vida não vai mudar, e a sua também não". "Se estourarem uma bomba perto daqui vou dar um jeito de processar". Mas ele também é o primeiro a chorar na contagem regressiva.
Afinal, quem não se emociona? Até o Elvis, meu pastor alemão. Começam as bombas e ele sai correndo de tão emocionado. Deve ser o espírito de ano novo. Uma mistura de "tchau 2014 seu bundão" com "oi 2015 seja bonzinho".
Mas de uma coisa eu tenho certeza!
Receba o novo ano com os braços abertos. Ele e seus 365 dias. É uma nova oportunidade de você fazer o que não fez, fazer o que gosta de fazer e até o que não gosta (porque se a vida fosse doce ela se chamaria sorvete). Ah, tente guardar esse espírito de ano novo com você por todo ano! Se a gente guardar essa sede por mudança, essa emoção de estar com quem amamos, o nosso ano vai ser fera. Esse foi o parágrafo mais emocionante que já escrevi, inclusive. o Elvis até correu daqui. Mas acho que foi uma bomba. Droga, tomara que o meu pai não processe o coitado. Espera aí... O Elvis fez xixi aqui. Droga, Elvis!

Abraços do Eduardo e feliz 2015!

27 de dez. de 2014

27 de dezembro.

Caro amigo...

O dia lá fora tá todo molhado. Dias molhados são um saco. Não é só água que cai das nuvens em dias como esse, mas também tédio e chatice. Muito tédio e chatice. Inclusive acho que um tédio atingiu a cabeça do Felipe, porque ele ficou jogado na minha cama por meia hora, olhando pro teto que nem uma estátua.
Tava um silêncio pior do que dia de prova na escola.
Eu olhando os pingos descerem pela janela e o Felipe lá, morto.
Só que daí o cérebro dele decidiu funcionar, o que raramente acontece, e ele levantou muito rápido da cama, com os olhos arregalados.
- Que dia é hoje, Dudu? - ele perguntou.
- Sábado.
- Não, dia do mês! Que dia é?
- Mas ué, sábado não é um dia do mês?
Sério cara, sábado é um dia do mês. O Felipe viaja.
- A data, Eduardo, qual a data de hoje!? - ele tava pirado.
Desceu da cama e saiu bisbilhotando por todo o quarto. Aí ele achou um calendário dentro de uma gaveta de tralhas.
- 27 de dezembro! - gritou.
- Obrigado, agora com certeza estou menos entediado.
Ele ficou me olhando por um instante. Como se eu devesse lembrar de alguma coisa, ou dizer alguma coisa. E então eu realmente lembrei.
Hoje completa-se um ano desde que decidi lhe enviar nossa primeira carta. Bons tempos aqueles. Deve ter sido estranho pra você receber uma carta de um estranho de repente. De uma criança estranha, por sinal.
Mas vai dizer, a gente se aproximou muito desde então. Acho que um dos grandes objetivos da vida é esse, criar amizades repentinas e conhecer melhor as pessoas. Você sabe me fazer muito bem, amigo. Como um verdadeiro amigo, mesmo. É legal quando você me elogia, e gosta das minhas cartas. Me dá até vontade de escrever mais umas mil pra você. Mas é no sentido figurado, porque eu nunca escreveria mil cartas pra você. Porque você é legal, mas escrever tanto assim deve ser mais chato que dia molhado. Deve ser mais chato que a minha mãe irritada ou que os meus dois irmãos juntos. Tá, enfim.
Prometo que escreverei mais, certo? Isto é uma promessa, mas não leve tão a sério. Ninguém sabe o que pode acontecer. Pode ser que eu quebre o braço, que acabe o papel, sei lá. Eu só prometo que vou tentar. É. Prometo que vou tentar escrever mais, certo? Tentar.
O Felipe mandou eu escrever algumas coisas em nome dele, e eu disse "ok Felipe, vou escrever", mas ninguém se importa com ele, então deixa pra lá.
Obrigado por ser meu amigo e receber todas as minhas cartas, até mais.

Abraços do Eduardo.

26 de ago. de 2014

Eu meto a colher.

Caro amigo...


Gostaria de compartilhar com você uma frase que li em um cartaz aleatório pelos corredores da escola: "às vezes precisamos esquecer de fatos desnecessários que passamos para que nossa vida possa ocupar-se do que realmente importa". Não sei se faz algum sentido pra você, mas pra mim não faz.
Só achei bonita.

Nos últimos dias meus pais têm brigado bastante, e isso está me rendendo muito conhecimento. 
Eu e meus irmãos ouvimos as discussões em todos os cômodos da casa, mesmo que a gente não queira, o que nos livra de qualquer culpa por ouvir as conversas dos outros, o que eu sei que é feio - mas neste caso, involuntário. 
Eu pesquisei e descobri que isso pode ser um negócio chamado crise do casamento. Não entendi direito o que significa, mas sei que dá e passa.

- Vocês estão passando por uma crise no casamento? - eu perguntei pro meu pai enquanto ele me levava pra escola um dia desses. 
- Que? 
- Você e a mãe - continuei. - Vocês estão passando por uma crise?
- Eu entendi, Eduardo - ele respondeu impaciente. - Quero saber o porquê da pergunta e de onde você tirou isso.
Você já conheceu aquele tipo de pessoa que quer dizer uma coisa, mas diz outra e espera que você capte a ideia por si só? Eu conheço e ele se chama pai.
- Ué, vocês têm brigado.
- Isto é normal entre um casal, Eduardo.
- Sim, é normal quando o casal está na crise do casamento.
Ele freou o carro bruscamente na frente da escola e me encarou com o olhar de quem diz "salta fora antes que eu te jogue". 

Quando eu voltei pra casa decidi fazer a mesma pergunta pra minha mãe, que é mais carinhosa e delicada que o ranzinza que jogou um espermatozoide chamado Eduardo pra dentro dela.
- Crise do casamento? - ela estranhou.
Os adultos tem dificuldade em entender as coisas na primeira vez, pode notar.
- É - prossegui. - Um casal geralmente passa por ela. É o que explica suas brigas. 
- Mas nós não brigamos, Dudu.
Minha mãe sempre tenta amenizar as coisas. Fofa ela. 
- Brigam sim. Tanto que hoje, mais cedo, o pai disse que "brigar é normal entre um casal".
- Bem, talvez nós brigamos às vezes...
- Vocês têm brigado todo santo dia, mãe.
Ela bateu o copo de leite na mesa e me encarou, do mesmo jeito que o papai.
- Briga de marido e mulher ninguém mete a colher, Eduardo.

Caro amigo, eu sei muito bem que eles estão passando por uma crise, eu não nasci ontem. Mas eles se recusam em assumir. Por enquanto. 
A verdade é que eu não entendo o porquê dos pais sempre tentarem manter os filhos longe dos seus problemas. Como nossos geradores humanos eles têm o dever de ensinar-nos sobre os problemas da vida, e não de nos esconder deles, né? Afinal, os únicos culpados por estarmos aqui são eles.
Eu realmente acho que o grande problema do casamento é que as pessoas se casam sem saber onde estão se metendo, e sabe por quê? 
Porque os pais delas preferiram guardar segredinho ao alertá-las.
Agora eu quero uma salva de palmas porque eu sou o novo pai da psicanálise.

Abraços do Eduardo Freud.



8 de mar. de 2014

Mulheres.

Caro amigo...


Ontem, sexta-feira, minha professora pediu para que pesquisássemos sobre algumas mulheres importantes da nossa história e definir seus grandes feitos em uma frase. Isto, porque hoje, dia 08 de março, é o dia internacional da mulher, e ela queria que percebêssemos a importância do sexo feminino no mundo. Esquecendo, é claro, dos 60% de chatice que toda mulher tem.
No almoço de hoje pedi ajuda para o Diogo, namorado da minha irmã, que a esperava na sala. 
- Sei lá, velho - ele respondeu. - Eu não gosto muito de história.
- E português?
- Também não.
- Matemática?
- Hã-hã. 
- Futebol?
- Sim, sou fera!
Como aquele cérebro de minhoca (é verdade que as minhocas têm duas cabeças?) não ia levar-me a lugar nenhum, aproveitei a visita que minha mãe foi fazer aos meus avós à tarde e perguntei ao meu avô:
- Vovô, você pode citar algumas mulheres importantes? Se quiser também pode resumir seus grandes feitos em uma frase.
Ele pensou um pouco enquanto embalava-se na sua cadeira de balanço e coçava o bigode grisalho
- Joana D'arc, Anita Garibaldi, Princesa Isabel... - ele começou.
Naquele momento eu parei de prestar atenção no que ele falava.
Caramba, quantos nomes estranhos.
Fui pra casa decepcionado.
Pesquisei um pouco na internet e achei várias mulheres realmente importantes, mas a professora pediu para que pesquisássemos sobre mulheres que tivessem importância na nossa história, e nenhuma delas era importante pra mim.
Depois de deixar a cabeça voar longe, deitado na minha cama, minha barriga roncou como um monstro esfomeado e percebi que o horário do jantar já havia passado. Desci correndo para a cozinha.
Minha irmã estava comendo omelete, sozinha, no balcão.
- Cadê o jantar?
- O meu está aqui.
- O meu jantar, Beatriz.
- Sei lá, pirralho.
- Cadê a mamãe, por que ela não me chamou para jantar?
- Porque ela está na confraternização do trabalho do papai, queridinho.
Depois de fazer uma expressão exagerada e triste de fome, Beatriz decidiu preparar um omelete para mim também, como sempre acontecia.
E então, na primeira garfada daquela janta improvisada e sem muito gosto, EUREKA!
As mulheres mais importantes da minha história, são as minhas mulheres!
É isto!
Os grandes feitos da mamãe e da Beatriz, as mulheres mais importantes da minha história, foram resumidos nestas frases:
"O que seria de mim sem a minha mãe, que prepara jantas decentes todos os dias pra mim, e ainda me chama no horário do jantar, sabendo exatamente o momento da minha fome?" 
"O que seria de mim sem a Beatriz, que mesmo sem muita prática, dá um jeito de cuidar de mim quando preciso, desde que nasci?"
Espero que esteja correto e que eu ganhe um 10!
Ah, se você é uma mulher, feliz dia das mulheres, e parabéns por ser uma das mulheres mais importantes da história a sua volta!

Abraços do Eduardo.


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6 de mar. de 2014

Ciúmes, eu?

Caro amigo...


Você não acha extremamente inconveniente quando as pessoas te trocam por outra pessoa? 

Você não acha ainda pior quando é uma pessoa que você gosta muito que faz isto?
Eu, particularmente, acho uma sacanagem.
Eu sempre digo que achado não é roubado e quem perdeu foi relaxado. Mas isto não se aplica às pessoas que eu gosto.
Não é porque o meu melhor amigo está aparentemente sozinho, pelo fato de que eu fui pegar um pastel na cantina, que outro garoto pode chegar e conversar com ele como se ele fosse o seu melhor amigo. E ainda por cima chamá-lo para jogar vídeo game na sua casa!
Bem, isto tudo foi só uma hipótese, ok? Não que tenha acontecido na tarde desta quinta-feira. Não que o tal amigo seja o Felipe. Não que tenha sido o George do quinto ano quem o chamou para jogar vídeo game na sua casa.
Na verdade, é, sim.
- Felipe, vamos jogar vídeo game lá em casa amanhã? - ouvi o George perguntar quando eu me aproximei de volta à onde o Felipe me esperava.
- Ah - Felipe pensou - acho que sim.
Naquele momento eu tive vontade de jogar meu pastel na cara dele. 
Mas a fome era maior.
Você já deve ter sentido este negócio esquisito de achar que a pessoa que você gosta vai te trocar por outra, como disse no início da carta, não é? Como se ela passasse a gostar menos de você a cada minuto que ela passasse com um outro infeliz qualquer. 
É péssimo.
É horrível.
É pessimamente horrível.
É horrivelmente péssimo.
Causa uma junção de raiva com tristeza.
Eu não sou o tipo de pessoa que se importa com isso, não mesmo. Dane-se se o Felipe vai jogar vídeo game na casa do George. Mesmo que ele seja o meu melhor amigo, e não do George.
- Você tem que dividir o seu amigo com as outras pessoas - meu pai disse, no carro, de volta para casa. - Você está sendo ciumento.
Que bobagem!
Eu não sou ciumento.
Eu não tenho nada contra o Felipe ter outros amigos.
De jeito nenhum.
Eu também não ligo se a Lúcia quer falar com outros meninos.
Imagine!
Assim como eu não tenho motivo nenhum pra ter ciúmes da minha irmã com o namorado dela.
Que besteira.
Eu, ciumento?
Acho que não, hein.
Inclusive, espero que você leia esta carta logo.
Ou vai dizer que tem as cartas de outra pessoa pra ler antes?
Você está me trocando, amigo!?


Abraços do Eduardo.


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4 de mar. de 2014

Carnaval.

Caro amigo...


O que é o que é?

1 - O Brasil ama.
2 - Durante cinco dias, todo ano, é só o que se vê em qualquer lugar que você olhe.
3 - Tem bundas sacudindo na tela da TV no meio desse povo, a gente vai se ver na globo...
4 - Também tem coisas coloridas.
5 - O título da carta é um pouco (não muito) sugestivo.
CARNAVAL(giz de cera torna as coisas muito mais carnavalescas, né?)
Os últimos cinco dias foram resumidos em pessoas que esqueceram de suas vidas e fingiram que o mundo era feito de beber cair e levantar e dançar loucamente. 
Nada contra dançar loucamente, até aconselho.
CARNAVAL!
Desculpe, precisava escrever isso de novo. É emocionante.
Mas voltando ao que eu escrevia antes.
Meu pai sempre disse que tudo em excesso faz mal. E se você parar pra pensar, faz um pouco de sentido.
Comer em excesso: faz mal.
Beber em excesso: faz mal.
Falar em excesso: faz mal.
Ler minhas cartas em excesso: faz bem.
O fato é que o carnaval em si é uma festa divertida. O grande problema são os excessos. Você não acha? Eu acho. Super acho. Acho demais, até.
Mas ôh jardineira, por que estás tão triste?
O teu cabelo não nega, mulata!
Olha a cabeleira do Zezé, será que ele é?
Índio quer apito, se não der pau vai comer.


Abraços do Eduardo.


Ei, você aí! Agora o Eduardo também tem um twitter, onde você pode acompanhar alguns dos seus pensamentos e divulgações de textos. Siga: @eduardopensou


27 de fev. de 2014

Poema de amor.

Para conhecer a Lúcia, leia os textos LúciaLúcia (parte 2) e Doença.


Caro amigo...



O dia foi turbulento.
O Charles, o namorado de Beatriz, o cara com os músculos maiores que o cérebro, almoçou aqui em casa. O que não importa muito, mas foi engraçado. Ele gaguejou várias vezes enquanto conversava com o papai, que se fingia de poderoso chefão na ponta da mesa.
Na verdade, o grande fato do dia foi: Lúcia.
Eu sei que você já deve estar cheio de receber cartas sobre ela, mas a cada dia que passa, esta menina impregna mais e mais na minha cabeça. 
Toda vez que eu ouço a sua voz doce e delicada, mais apaixonante ela se torna.
Toda vez que eu a vejo caminhando em minha direção, mais apaixonante ela se torna.
Toda vez que trocamos olhares por alguns minutos, mais apaixonante ela se torna.
Na verdade, acho que o fato dela existir é o suficiente para torná-la apaixonante.
- Você é muito novo para se apaixonar, Eduardo - minha irmã disse.
E eu sei que sou. Mas diga isto para o meu coração!
Ontem à noite decidi que ia escrever um poema para Lúcia.
Nós não conversamos muito na escola porque ela sempre está cercada de meninos. Eu costumo chamá-los de urubus esfomeados. 
Geralmente são caras mais atraentes e mais legais que eu, e isto acaba intimidando-me um pouco.
E bem, foi por isso que eu escrevi este poema, em um papel de caderno, dobrado duas vezes:



"Rosas são vermelhasE minhas bochechas também sãoVioletas são azuisO que não importa muito não


Te escrevo esta cartaNão apenas por estar entediadoEscrevo na verdadePara que eu seja por você amado"


Eu o entreguei para a Marília, sua melhor amiga.
Não tenho certeza se ele será entregue, mas espero que sim.
Será uma forma de demonstrar o que eu sinto de uma forma diferente e sem precisar estabelecer um contato.
O que mais passa pela minha cabeça nos últimos dias é: onde está a minha percepção de vida? Há alguns dias eu não me apaixonaria por ninguém, e hoje cá estou eu, escrevendo uma carta chata falando sobre amor.
Mas não me culpe!
Porque afinal, a paixão é uma doença. Às vezes incurável.
Eu poderia pensar em uma forma interessante de terminar esta carta, mas prefiro simplesmente terminar. 

Abraços do Eduardo. 

24 de fev. de 2014

Trote. (parte 2)

Antes de ler este texto, tenha certeza que leu a primeira parte, Trote.


Caro amigo...



O trote aconteceu.

E não foi nada legal.
Eu estava chegando no colégio quando vi um grupo de pessoas amontoadas na porta do banheiro masculino do corredor térreo. Eu corri para ver o que estava acontecendo, afinal, quem não gosta de um auê? Eu gosto. Você não? 
Enfim.
Me esquivei de cotovelos, ombros, pés e finalmente cheguei no meio da roda de curiosos. Naquele momento a bagunça pareceu perder a graça. Me deparei com os garotos do oitavo ano enfiando a cabeça do Charles (o garoto novo, como você deve lembrar) em uma das pias que transbordava água.
Charles parecia apreensivo, e batia os braços e pernas tentando livrar-se dos punhos fortes dos idiotas. Acho que estava se afogando.
Eu olhei em volta e o bando de babuínos parecia apenas se divertir com aquilo. Gritavam, riam, gozavam. Aliás, chamá-los de babuínos seria uma ofensa cruel demais. Pros babuínos.
Decidi me meter. Afinal, é começo de ano, as coisas ainda estão voltando ao seu curso normal na diretoria e o máximo que eu ganharia seria uma advertência.
- Ei, palhaços! - eu gritei, adentrando o banheiro.
Os garotos me olharam imediatamente, mas continuaram afogando Charles.
- Você de novo, pirralho? - o mais forte perguntou. 
Era o mesmo palhaço que me parou no corredor há alguns dias. O da espinha no nariz. Vou chamá-lo de valentão espinhento.
- Larguem ele! - mandei. - Que direito vocês têm de humilhar alguém desse jeito?
Os garotos se olharam e riram entre si. A "plateia" assistia a tudo atenta. "O que esse menino está fazendo?" eles deviam estar pensando.
Os rapazes, então, largaram Charles, que caiu sentado no chão frio de azulejo. 
- O trote acabou - o valentão espinhento avisou, me encarando.
E então o grupo de idiotas saiu do banheiro. E os babuínos que assistiam a tudo se dispersaram pelo corredor.
- Você está bem? - perguntei ao Charles, abaixando-me ao seu lado.
- Estou - ele disse. 
- Você não engoliu água demais?
- Talvez sim. Mas estou bem por saber que tenho um amigo como você.
E então eu chorei. E nos abraçamos. 
Brincadeira, eu não chorei e nem nos abraçamos. Só achei que tornaria a cena mais bonita na sua cabeça.
O que aconteceu é que nos levantamos, nos cumprimentamos e fomos para a sala de aula.
Quando cheguei em casa, contei tudo para o Pedro. Meu irmão do meio, você sabe. Ele disse que o que eu fiz foi arriscado, mas bonito. E ele nunca teria coragem de fazer aquilo.
- Pessoas como você são raras, Dudu - ele disse.
Depois entendi que "pessoas como eu" são pessoas que encaram qualquer coisa que seja preciso para manter os seus valores em primeiro lugar. O que sempre me pareceu certo, porque não faz muito sentido você defender alguma coisa teoricamente e quando ela acontecer na sua frente você ficar só olhando.
Espero que você seja assim, amigo. Espero que você não seja um bundão.
Não bundão no sentido de bunda grande!
Ah, você entendeu!


Abraços do Eduardo.

20 de fev. de 2014

Trote.

Caro amigo...


Ontem, quando chegamos na sala de aula, tinha um garoto sentado no primeiro lugar da fileira do meio. Até que a aula começasse, todos que chegavam comentavam coisas do tipo "ele é novo aluno", "ele é um espião", "ele é um fantasma".

Aí a professora Sara chegou.
Ela é o tipo de mulher com quem você quer se casar quando crescer. É bonita, bem sucedida e muito inteligente.
- Ah! Este é o nosso novo colega, turma! - ela divulgou, apontando para o garoto. - Gostaria de vir até aqui e se apresentar? - ela perguntou.
O menino hesitou, afastou a mesa e levantou-se. Foi até a frente, ao lado da professora, um pouco encolhido e envergonhado, e disse:
- Meu nome é Charles. Tenho dez anos.
Alguns corresponderam o "oi" igualmente simpáticos, outros zoaram como um bando de babuínos, e outros não deram a mínima porque estavam preocupados conversando paralelamente. 
Eu virei para trás e comentei com Felipe:
- Ele tem cara de inteligente.
- Desde quando a inteligência de alguém se mede pela cara, Dudu? Einstein seria tachado de burro! 
- Blá, blá, blá.
O Felipe costuma me irritar facilmente, e eu nem sei por que é meu melhor amigo. Acho que é por isso mesmo, mas enfim, ele não é o assunto desta carta.
O Charles realmente parecia inteligente. Vai dizer que você não vê quando alguém é inteligente só pela cara dele? Minha mãe disse que o certo é "rosto" ou "face", e não "cara", mas dane-se.
No recreio, eu e Felipe decidimos ir até o Charles, que estava sentado sozinho em um banco, perto do jardim da escola.
- Você é inteligente? - o Felipe perguntou.
O garoto pensou, refletiu, repensou e rerefletiu. "Que tipo de pergunta é esta pra uma saudação?" ele deve ter pensado. Ou não. Sei lá.
- Não muito - respondeu.
- Está vendo, Eduardo?! - Felipe concluiu. 
O Charles, bem no fim, é bem divertido. Ele gosta de ler, e não curte muito escrever. Ele veio transferido de uma cidade bem longe, por causa do trabalho do pai dele. O recreio foi o suficiente para nos aproximarmos e ele perder a timidade com as minhas perguntas curiosas e as piadas sem noção do Felipe.
Quando o sinal bateu, eu fiquei alguns segundos no saguão bebendo água no bebedor - água ruim com gosto de cano de PVC - e subi um pouco depois dos meninos. No corredor, fui atacado por um cara esquisito que eu não me lembro de ter visto antes. Ele usava a camiseta que o oitavo ano confeccionou no início das aulas, então deduzi que ele era um dos veteranos. Ele era grande, em relação a mim e meus colegas, e parecia bravo, também.
- Escuta aqui, veadinho - ele me intimidou, interrompendo meu caminho.
- Você falou comigo? - perguntei.
- Não, com a sua avó, pirralho. Eu vi você conversando com o calouro no recreio. E aconselho você a ficar bem longe dele se não quiser levar o trote também.
- Desculpe, eu estava distraído com esta espinha no seu nariz. Você disse "trote"?
Eu acho que deixei o garoto mais bravo do que antes quando comentei sobre a espinha. Mas eu não podia perder aquele momento pra irritar ele. Pra começar, ele era feio que doía, e pra terminar, eu não sou o tipo de garoto que você pode intimidar no corredor. 
- Sem gracinhas, idiota. Está avisado - ele respondeu, saindo.
Eu passei o resto da aula pensando sobre aquilo. O que iam fazer com o Charles? Ele é um cara tão legal! E sim, ele é o tipo de garoto com que você pode intimidar no recreio. E de quebra você faz ele se mijar todo. 
No ano passado os veteranos fizeram um trote para dois novatos, também transferidos de outra escola. Eles levaram ovadas no meio do recreio, em público. Todo mundo riu muito, inclusive eu. Mas acho que eu não riria se fosse com o Charles.
O tal trote não foi hoje, então vou escrever sobre ele quando acontecer - se acontecer. Eu realmente espero que não seja nada sério. E eu espero poder fazer alguma coisa. 


Abraços do Eduardo.

18 de fev. de 2014

Aula :(

Caro amigo...


As férias foram boas.
Mas tudo que é bom dura pouco, como disse Carmem Miranda. Brincadeira, eu não sei quem disse isso. Mas estava inteiramente certo.
Quando meu sono estava chegando ao seu ápice, minha mãe me sacudiu, praticamente gritando com uma feição aparentemente psicopata:
- Primeiro dia de aula no quarto ano, Dudu! Levante! 
Sim, hoje foi o meu primeiro dia de aula no quarto ano. O que passou pela minha cabeça quase toda a manhã foi: "por que a vida é tão dura, Deus?".
Você sabe, os primeiros minutos são até legais. Você revê seus colegas, professores, e até que tem um pouquinho de saudade de sentar em uma classe e estudar. 
Nos primeiros minutos, eu disse.
Depois você começa a perceber que aquilo vai durar o ano inteiro. Como um looping infinito de trevas e sofrimento. Como a mais dura guerra de 100 anos.
Acordar cedo sacudido pela sua mãe.
Sentar na classe.
Ouvir, copiar, obedecer, resolver, calcular, criar, pensar, obedecer, ouvir.
Levantar da classe.
Almoçar.
Passar a tarde fazendo o dever de casa.
Dormir cedo porque você está cansado.
Acordar cedo sacudido pela sua mãe.
E assim sucessivamente até a eternidade. Porque o ano realmente parece uma eternidade. 
Mas as coisas não foram tão horríveis, talvez eu esteja exagerando.
Como de costume, eu e Felipe sentamos em classes próximas, onde podíamos comentar sobre os novos colegas, zoar os professores ou pedir respostas de atividades um para o outro. Geralmente sou eu quem peço porque o Felipe é um pouquinho mais inteligente. Espero que ele não leia isso. 
E adivinhe só quem estava lá? 
Acertou se você disse Lúcia. Errou se você disse qualquer outra coisa. Burro. Quando eu estava finalmente esquecendo da sua existência, todo o negócio estranho que eu sinto por ela voltou à tona ao vê-la novamente. Nos demos um oi discreto, mas sentamos um em cada lado da sala. O Felipe sugeriu que eu conversasse com ela no recreio, mas eu sou mais tímido do que pareço.
Eu sei que prestei bastante atenção nela. Ela parecia mais bonita do que nunca. 
Mas a Lúcia não é o assunto desta carta. O que eu realmente quero é lhe desejar boa sorte com as aulas neste ano. Espero que você sobreviva. E eu espero que eu também sobreviva. Espero que todos sobrevivam, embora saibamos que é difícil.


Abraços do Eduardo.